Secção 2.1 – O Efeito Fotoelétrico
Um processo de emissão de cargas elétricas por uma superfície metálica foi descoberto por H. R. Hertz (1857-1894) em 1887. A fig. 2.1 mostra um esquema da montagem utilizada por Hertz. Um catodo C (emissor de cargas negativas) e um anodo A (receptor de cargas negativas) são mantidos a uma diferença de potencial de alguns volts no vácuo.
Quando a luz ultravioleta (ν 1016 Hz) atinge o catodo C, é observado um fluxo de corrente elétrica através do anodo A. Esse fenômeno foi denominado de efeito fotoelétrico.
Fig.2.1 – Experimento de Hertz para o efeito fotoelétrico.
A descoberta de J. J. Thomson (1856-1940) da existência de elétrons em 1879, através da medida da razão carga e/m entre a carga e a massa de partícula num tubo de raios catódicos, sugeriu que as partículas carregadas negativamente do efeito fotoelétrico fossem elétrons. Esta hipótese foi confirmada por P. E. A. Lenard (1862-1947), quando mediu a razão e/m das partículas fotoelétricas e mostrou que era a mesma que para os elétrons medidos por Thomson.
A experiência de Lenard, esclareceram dúvidas relativas à identidade das partículas fotoelétricas, entretanto mostraram também algumas propriedades do efeito fotoelétrico, muito difíceis de serem entendidas em termos das teorias da física clássica. Lenard mediu a corrente através do anodo A como função da diferença de potencial aplicada entre os eletrodos para intensidades altas e baixas da luz incidente. O resultado é mostrado na fig. (2-2).
Fig. 2.2 – Corrente fotoelétrica em função da diferença de potencial para diferentes intensidades
A corrente fotoelétrica satura para valores altos da diferença de potencial V. Nessas condições, todos os fotoelétrons emitidos por C são coletados por A. Quando V é invertido (V < 0), o anodo torna-se negativo e repele elétrons liberados pelo catodo, entretanto, a corrente fotoelétrica não cai imediatamente a zero como se esperaria. Este fato sugere que os elétrons sejam emitidos de C com alguma energia cinética. Alguns elétrons alcançarão o anodo A, mesmo que o campo elétrico se oponha ao seu movimento. Quando a diferença de potencial atinge um valor V0, chamado de potencial frenador, a corrente fotoelétrica torna-se nula, independentemente do valor da intensidade. Nesse momento, nenhum elétron, inclusive o mais rápido (de maior energia cinética), não alcança o anodo A. A energia cinética do elétron mais rápido Kmáx, se relaciona ao potencial frenador V0, por,
K = e.V0 (2.1)
A teoria ondulatória clássica afirma que o vetor campo elétrico de uma onda é proporcional à intensidade (I E2). Como a força sobre um elétron é = e. , isso sugere que a energia cinética de fotoelétrons seja proporcional a intensidade. Entretanto, a eq.(2.1), obtida da experiência, mostra que a energia cinética deve independer da intensidade da luz.
A fig.(2.3) mostra o comportamento do potencial frenador V0 em função da freqüência ν da luz incidente sobre uma superfície de sódio, obtida por R. A. Millikan (1868-1935) em 1914.
Fig.2.3 – Comportamento do potencial frenador em função da freqüência da luz numa superfície de sódio.
Observe a presença de um limiar de freqüência ν0 abaixo do qual o efeito fotoelétrico deixa de ocorrer.
Pela teoria clássica, o efeito fotoelétrico deveria ocorrer para qualquer freqüência da luz incidente, desde que a intensidade seja suficiente para ejetar os elétrons. Entretanto, o gráfico da fig. (2.3), mostra a existência de um limiar de freqüência para o efeito fotoelétrico para qualquer que seja a intensidade da luz incidente. Este importante resultado experimental deu o prêmio Nobel a Millikan em 1923.
Uma outra importante divergência do efeito fotoelétrico com a teoria ondulatória clássica, ocorre com o tempo observado entre a incidência da luz e a ejeção de elétron.
Seja por exemplo uma placa de potássio a R = 1metro de uma fonte luminosa pouco intensa, de potencia igual a P0 = 1 watt. Consideremos que o elétron ejetado tenha sua energia absorvida numa área circular correspondente a um raio atômico r 10-10 metros. Se a fonte irradia isotropicamente, a potência incidente sobre o alvo será,
Palvo = (π r2/4πR2) P0 = (π. 10-20m²/4π.1² m²) 1W = 2,5 . 10-21 J/s
Se a energia necessária para remover um elétron da superfície do potássio é cerca de ∆ℇ = 2,1 eV = 3,4.10-19 Joules, o tempo necessário para o elétron absorve-la será,
∆t = ∆ℇ/Palvo = 3,4. 10-19 J/2,5. 10-21 J/s = 1,4. 10² s 2 minutos
Assim, durante todo esse intervalo finito de tempo, o elétron deveria estar absorvendo energia da luz até seu escape. Entretanto, nenhum retardo foi jamais observado. De fato, experiências posteriores realizadas por E. O. Lawrence (1901-1958) e J. W. Beams (1898-1977) em 1928, usando uma fonte de luz várias ordens de grandeza menos intensa do que a considerada acima mostrou um atraso menor que 10-9 segundos.
Em 1905, A. Einstein (1879-1955) propõe a teoria quântica do efeito fotoelétrico. De acordo coma teoria quântica de Planck, partículas e campos eletromagnéticos oscilantes à freqüência ν, podem somente mudar de energia segundo múltiplos inteiros da energia quântica hν. Einstein sugere que, no processo de ir de um estado de energia nh para outro (n-1) hν, a fonte emite uma porção de energia eletromagnética igual a,
ℇ = h ν (2.2)
Einstein considerou que tal porção de energia emitida, estivesse localizada num pequeno volume do espaço, que se afasta da fonte com uma velocidade c. No processo fotoelétrico, um desses quanta de energia, ou fóton como ficou conhecido, seria absorvido completamente por um elétron do fotocatodo. Quando um elétron é emitido da superfície do metal, sua energia cinética será K = hν – w, onde hν é a energia do fóton incidente e w é o trabalho necessário para remover o elétron do metal.
Alguns elétrons estão mais fortemente ligados do que outros. Alguns perdem energia por colisões na sua trajetória. No caso do elétron mais fracamente ligado, o fotoelétron deve emergir com a energia cinética máxima Kmáx, dada por,
Kmáx = hν – w0 (2.3)
onde W0, uma energia característica do metal denominada de função trabalho, é a energia mínima necessária para um elétron atravessar o metal e escapar às forças atrativas responsáveis pela sua ligação ao metal.
Como se pode ver da eq.(2.3), a teoria quântica do efeito fotoelétrico concorda com a observação de Lenard de que, Kmáx não depende da intensidade. Aumentar a intensidade da luz meramente aumenta o número de fótons e, portanto a fotocorrente, entretanto, isto não altera a energia hν de cada fóton.
O limiar de freqüência νL, observado por Millikan, é obtido também da eq.(2.3) tomando-se kmáx = 0, de modo que,
HνL = w0 (2.4)
que significa que um fóton de freqüência νL tem exatamente a energia necessária para ejetar os fotoelétrons, sem excesso de energia cinética.
Se a freqüência for menor que νL, nenhum fotoelétron será ejetado, independentemente da intensidade (número de fótons) da luz incidente.
Finalmente, a emissão de um fotoelétron será imediata logo que este absorva um fóton da luz incidente. A energia é fornecida em pacotes concentrados, e não se espalha uniformemente sobre uma área externa como supusemos no nosso exemplo com a teoria ondulatória clássica.
Relacionando-se a eq.(2.1) coma eq.(2.3), obtemos,
V0 = (h/e) ν – w0/e (2.5)
Portanto, a teoria de Einstein prevê uma relação linear entre V0 e ν, concordando com o resultado experimental de Millikan mostrado na fig.(2.3). A inclinação (h/e) da reta, ode ser calculada diretamente no gráfico, fornecido,
h/e = 2,20 V- 0,65 V /10.1014 Hz – 6. 1014 Hz = 3,9 . 10-15 V.s
Usando o valor da carga do elétron, e = 1,6. 10-19 C, obtém-se um valor para a constante de Planck, dado por, h = 6,2. 10-34 J.s.
De uma análise muito mais cuidadosa, realizada posteriormente usando superfícies de Lítio, Millikan obteve um valor h = 6,57.10-34 J.s, com uma precisão de aproximadamente 0,5%. Esta medida estava muito próxima do valor de h deduzida da fórmula da radiação de Planck. A concordância numérica de h, usando teorias completamente diferentes, é notável. Um valor atual de h, é h = 6, 626076.10-34 J.s = 4,135669.10-15 eV.s.
Em 1921 Einstein recebeu o Prêmio Nobel pela teoria quântica do efeito fotoelétrico. Antes que Millikan comprovasse experimentalmente a teoria de Einstein em 1914, Einstein tinha sido indicado para membro da Academia Prussiana de Ciências por Planck e outros.
Hoje a hipótese do fóton é usada em todo o espectro eletromagnético, não apenas na região do visível. Com λ = 10 cm, um comprimento de onda típico de microondas, pode–se calcular a energia do fóton para obter, 1,2.10-5 eV. Por ser baixa, esta energia é incapaz de ejetar fotoelétrons de uma superfície metálica. Para raios X, ou raios γ, tais como os que são emitidos por núcleos radioativos, a energia do fóton pode ser de 106 eV, ou mais. Estes fótons podem retirar elétrons fortemente ligados em átomos extremamente pesados.
Exemplo 2.1 – exemplo do Mullin
O Lítio é um dos metais estudados por Millikan para comprovar a teoria de Eintein do efeito fotoelétrico. Esse metal tem uma função trabalho w0 = 2,42 eV. (a) Encontre o limiar fotoelétrico para uma radiação incidente neste metal. (b) Seja uma fonte de potência P = 1watt desta radiação a uma distância R = 1m do lítio. Calcule o número de fótons por segundo, que atingem uma unidade de área da superfície do Lítio.
(a) O limiar de freqüência νL, ocorre quando Kmáx = 0 na equação, kmáx= hν – w0, ou seja,
νL = w0/h = 2,42 eV/ 4,14.10-15 eV.s ⇒ νL = 5,84.1014 Hz.
O comprimento de onda limiar, será então,
λL = c/νL = (3,0.108 m/s)/ (5,84.1014 Hz) ⇒ λL = 514 nm
que está na região do visível (Luz verde). Assim, qualquer comprimento de onda menor ou igual a este, deve ejetar fotoelétrons da superfície do Lítio.
A energia por segundo por unidade de área que incide sobre a placa metálica a R = 1m de distância de uma fonte de luz de 1 watt de potência, é a intensidade I naquele ponto e, é dada por,
I = P/A = P/4πR2 = (1 J/s) / 4π (1)² m² = 8 . 10-2 J/ m.s²
ou, em termos de elétron-Volts (1J = 1,6 .10-19 eV),
I = 5 . 1017 eV/m². s
Se cada fóton tem uma energia igual a função trabalho do Lítio (w0 = 2,41 eV), então, o número de fótons que atinge uma unidade de área do Lítio por segundo, será:
nfótons = I/w0 = (5.1017 eV / m².s) / (2,42 eV) ⇒ nfótons = 2,067 . 1017 fótons/ s.m².
Este exemplo mostra que a quantidade de fótons que atinge o metal é extremamente grande, mesmo que a intensidade da luz seja pequena. Isso explica a baixa granulosidade da radiação em fótons extremamente pequenos e, por conseguinte, difíceis de serem detectados.